O que um cientista do século 18 tem a ver com seu drink?

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Postado em 23 de abril de 2020

O químico e físico francês Joseph Louis Gay-Lussac viveu nos séculos 18 e 19 e estudou, entre outras coisas, o comportamento das misturas de álcool e água, o que deu origem à escala Gay-Lussac para medição do volume alcoólico.

O legado do trabalho do cientista está estampado nos rótulos das garrafas de bebidas. Isso porque o teor alcoólico de uma bebida, apresentado em porcentagem, segue a escala Gay-Lussac, que calcula quantos mililitros de álcool absoluto estão presentes em 100 ml de uma mistura de água e álcool.

A relação é direta: a marca de 10 graus Gay-Lussac significa que há 10% de álcool na bebida.

A escala do cientista francês também é utilizada para se definir o que é uma bebida alcoólica na legislação de vários países. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 105 países estabelecem a bebida alcoólica como a que tem álcool, ou etanol, em uma quantidade superior a 0,5 grau Gay-Lussac – ou 0,5% de teor alcoólico.

No Brasil, as leis são conflitantes ao definir o que é uma bebida alcoólica.

Para a lei 8.918, de 1994, bebida alcoólica é a que possui teor de álcool superior a 0,5 grau Gay-Lussac, ou 0,5%, acompanhando o resto do mundo.

Mas a lei 9.294, de 1996, que estabelece restrições à publicidade de bebidas alcoólicas, a define como sendo a bebida com graduação de álcool superior a 13 graus Gay-Lussac, ou 13%. Neste patamar, a lei acaba excluindo mais de 90% do mercado de bebidas alcoólicas, em volume – ou seja, cervejas, ices, espumantes e até alguns vinhos não são regidos pela lei da propaganda. Na prática, a lei 9.294 se aplica apenas aos destilados, que representam 10% do mercado de bebidas.

Tal conjuntura desequilibra a concorrência no mercado. Uma cachaça com teor alcoólico de 40% só pode, segundo a lei, veicular propagandas no rádio e na tevê entre 21h e 6h da manhã. Uma marca de cerveja, por ter um teor de álcool inferior a 13%, não é considerada uma bebida alcoólica e está liberada para veicular publicidades do seu produto em qualquer horário, alcançando públicos sensíveis como crianças e adolescentes. É importante ressaltar que a cerveja é a bebida preferida entre os jovens até 34 anos, sobretudo os que abusam do álcool.

Para um mercado mais justo, todas as bebidas alcoólicas precisam estar sob o mesmo guarda-chuva regulatório, evitando essas distorções. Afinal de contas, álcool é álcool – 330 ml de uma cerveja com 4% de teor alcoólico possuem a mesma quantidade absoluta de etanol encontrada em 30 ml de cachaça com 40% de teor alcoólico. A incoerência na legislação brasileira, além de danosa para a concorrência, não incentiva uma comunicação transparente em favor da moderação no consumo de álcool e o combate ao seu uso abusivo.