Bebidas ilegais podem ganhar espaço quando restrições ao álcool aumentam

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Postado em 28 de agosto de 2020

A Organização Mundial da Saúde afirma que “aplicar restrições severas à disponibilidade do álcool pode promover o desenvolvimento do mercado ilícito”.

Em 2015, o país aumentou a alíquota do IPI das bebidas destiladas para 25% e 30%, elevando artificialmente o preço das bebidas por meio da sobretaxação. A restrição pode ter fomentado o aumento do mercado ilegal de bebidas.

Segundo a pesquisa Álcool ilícito no Brasil, realizada pela consultoria Euromonitor em maio de 2019, 14,6% do volume de álcool comercializado no país é ilícito – nos destilados, este percentual sobe para 28,8%. Hoje, uma em cada quatro garrafas de uísque é ilegal; assim como uma em cada cinco garrafas de vodca.

As bebidas ilegais são até 70% mais baratas do que as legítimas, pois não se submetem às regras trabalhistas, sanitárias e de segurança do trabalho. O consumidor de baixa renda é o mais afetado. Ele vai para o mercado ilegal por causa do aumento do preço dos destilados, sujeitando-se a riscos de saúde devido à ingestão de álcool adulterado ou de bebidas sem qualquer controle sanitário.

O mercado ilícito também fortalece o crime organizado, que lucra, segundo o estudo da Euromonitor, R$ 3 bilhões por ano no Brasil com o contrabando e a falsificação de bebidas, utilização de álcool substituto (álcool combustível que é altamente tóxico e impróprio para o consumo humano), fabricação caseira ilícita(que por serem produzidos sem controle algum, também apresentam riscos de conter componentes tóxicos em sua formulação)  e sonegação. Como a bebida ilegal não paga imposto, o governo deixa de arrecadar R$ 10 bilhões por ano com a evasão fiscal, montante que serviria para construir cerca de 5 mil escolas.

No fim das contas, a pesada carga tributária imposta às bebidas destiladas acaba gerando efeitos inesperados, como riscos à saúde da população, sobrecarga no sistema de saúde, queda na arrecadação do governo, perda de empregos e investimentos na indústria legal e o avanço do crime organizado.

Estes efeitos também são sentidos na pandemia da COVID-19, quando muitos países, estados e municípios, incluindo mais de 30 cidades no Brasil, optaram por proibir a venda de álcool como forma de reduzir aglomerações e diminuir o consumo de bebidas.

No México, por exemplo, mais de 100 pessoas morreram pela ingestão de álcool adulterado em apenas duas semanas. Na África do Sul, a queda na arrecadação chegou a US$ 81,6 milhões no primeiro mês de proibição da venda de bebidas e cigarros. Países como Sri Lanka, Índia e a África do Sul observaram o aumento alarmante das atividades do comércio ilegal de bebidas (Fonte: Tracit, Aliança Transnacional para o Combate ao Comércio Ilícito)

Por tudo isso a Tracit lançou um alerta global em abril de 2020, para que governos evitem esse tipo de medida restritiva que só “cresce e fortalece o mercado para o álcool ilícito”. Na mesma linha, a especialista internacional em políticas para o álcool, Marjana Martinic, afirma que, historicamente, proibições e restrições ao álcool, mesmo que bem intencionadas, “acabam gerando demanda por álcool ilícito; além de negar o acesso a bebidas legítimas, de qualidade e de origem conhecida, essas medidas aumentam a atividade criminal, criam riscos inesperados à saúde e privam o governo de suas arrecadações”.

Para Martinic, governos e autoridades de saúde precisam sempre pesar os custos e os benefícios de suas políticas para o álcool, sob pena de colher efeitos indesejados. “Soluções fáceis não são sempre as melhores e abordagens que proponham uma medida única para vários problemas podem fazer mais mal do que bem”, conclui a especialista.