O preço alto da desigualdade tributária

Artigo

Postado em 17 de abril de 2020

“O caminho mais justo e matematicamente prudente seria o do fim de privilégios pontuais e o da redução das assimetrias, senão o da adoção de uma isonomia tributária. Isso garantiria a competitividade entre empresas e produtos, desestimularia a ilegalidade e a ilicitude e beneficiaria a sociedade em geral.”
Gesner Oliveira, professor da FGV e autor do “Estudo sobre a tributação de alcoólicos no Brasil e as consequências da falta de isonomia”

Todas as bebidas alcoólicas, sem distinção, têm uma semelhança em comum: possuem a mesma molécula (etanol) na sua composição. Se o álcool é o mesmo para todas as bebidas, por que ainda se tem a ideia de bebidas fortes ou fracas?
Trata-se de um mito, ou, nos termos atuais, de uma fake news que se instalou no senso comum, produzindo efeitos indesejáveis.
A verdade é uma só: álcool é álcool. Todas as bebidas têm o mesmo etanol. O que faz a diferença – isso sim! – é a quantidade de álcool absoluto que se ingere.
Por exemplo: uma tulipa de cerveja, com 330 ml (a um teor alcoólico de 4%), possui 10 gramas de álcool, aproximadamente, que é a mesma quantidade presente em uma dose de 30 ml de cachaça (a 40%). Moral da história: quem bebe a tulipa ou a dose de cachaça está ingerindo, no fim das contas, a mesmíssima quantidade de álcool: 10 gramas, em média.
Se álcool é álcool, e todas as bebidas possuem o mesmo etanol, então deveria haver a mesma tributação para todas as empresas e produtos do setor. Mas não é o que ocorre no Brasil.
Em 2015, o governo aumentou o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para os destilados em até 30% e reduziu o da cerveja de 15% para 6%. Além de reforçar o mito de que uma bebida é mais forte que outra, a medida tem produzido uma série de efeitos colaterais danosos:

  • Falta isonomia: a concorrência no mercado legal de bebidas está em desequilíbrio, ameaçando operações, postos de trabalho e a diversidade de produtos. Os destilados, que detêm 10% do mercado, respondem por 34% de toda a arrecadação de imposto do setor de bebidas alcoólicas. E a cerveja, com 87% do mercado, reduziu sua contribuição de 85% para 61%;
  • Privilégio indevido: atualmente se cobra mais imposto no tijolo (8%), um bem essencial, do que na cerveja (6%), considerado um bem supérfluo;
  • Mercado ilegal cresce: o aumento de impostos encarece os produtos legítimos e assim potencializa o mercado de bebidas ilícitas, que trazem riscos à saúde do consumidor por não seguir leis fitossanitárias
  • Governo deixa de arrecadar R$ 10 bilhões por ano devido à evasão fiscal e à sonegação praticadas no mercado ilegal; entre 2015 e 2018, o governo já renunciou a R$ 2,8 bilhões em impostos devido à mudança na tributação.
  • Consumidor abusivo não muda seus hábitos diante da alta de preços, migrando para marcas mais baratas ou para o mercado ilegal, pouco afetando o seu consumo abusivo de álcool.

O preço da desinformação é alto e todos pagam. Um ambiente concorrencial justo, em que todas as bebidas alcoólicas são tratadas em pé de igualdade, é bom pra todo mundo: melhora a arrecadação de impostos, a geração de empregos e a competição entre as marcas, enfraquece o mercado ilegal e traz mais valor para a sociedade e os consumidores.